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11 janvier 2010

O Corpo em Conexão: Sistema Rio Aberto

sou Laura Pozzana de Barros, aluna de doutorado do Instituto de Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em 1996, um acidente de trânsito na Itália mudaria para sempre a vida da psicóloga Corpo_Conexao_Laura_Pozzanacarioca Laura Pozzana de Barros. O episódio afetaria sua coluna e, forçosamente, a levaria a ficar em recuperação durante meses – tempo suficiente para que Laura pudesse refletir sobre sua trajetória até então. Para ajudar no tratamento, a psicóloga foi aconselhada a visitar um lugar em Botafogo, bairro do Rio de Janeiro, onde as pessoas formavam rodas para, em conjunto, realizar práticas corporais e de despertar da alma, do espírito e das próprias emoções. Fascinada pela singular experiência, Laura Pozzana aceitou o desafio – como ela mesma afirma – de colocar em palavras seu significativo encontro com o chamado Sistema Rio Aberto e de compartilhar com o leitor suas descobertas e vivências. Na entrevista abaixo, você vai conferir um pouco dessa jornada vivida por Laura Pozzana, que resultou no livro O Corpo em Conexão: Sistema Rio Aberto (EdUFF, 2008, 158 p., R$ 27).

EdUFF – O que é o Sistema Rio Aberto?

Laura Pozzana – É uma escola de experimentação e desenvolvimento humano, algo que se aproxima do que Michel Foucault denominou de “práticas de si”. Ela foi fundada em 1965 na Argentina, pela psicóloga Maria Adela Palcos de Plante. Eu acho que a descrição mais adequada para resumir a idéia da atuação do Sistema Río Abierto – seu nome original – é a de ser “a vida em movimento”. Adota-se a imagem de um rio, de um canal aberto, por onde águas escoam contínua e abundantemente. Ao mesmo tempo, são realizados “exercícios” que “desmancham” o corpo endurecido, por meio de um trabalho feito em roda, mãos dadas, o que reforça o coletivo em nós. É mais ou menos isso que acontece durante as aulas – melhor seria chamá-las práticas. Trata-se da idéia de nos lembrarmos de que somos seres vivos, vida na vida, e todo esse conjunto “vida” é movimento, fluxo, mudança, criação e base de todo acontecimento possível. É importante ressaltar que a própria idealizadora da escola prefere não defini-la. E eu concordo com essa posição. Tanto que, no livro, mais do que definir, busquei analisar algumas questões que estão presentes neste sistema: um trabalho corporal e de consciência, no sentido de que, ao nos movermos, buscamos “acordar” e perceber, sentir nossa presença e a dos outros. Também estamos despertando corpos e uma certa atenção ao que está acontecendo – em mim e ao meu redor.

EdUFF – Como foi o seu encontro com a Escola?

Laura Pozzana – Em 1997, tive meu primeiro contato com o Coringa Rio Aberto – nome pelo qual a Escola era conhecida no Rio de Janeiro. Percebi que estava para começar uma aula. Logo se formou uma roda com as pessoas ali presentes e o instrutor, Michel Robim, começou a mover o corpo de uma maneira completamente diferente de tudo o que eu já tinha visto. Ele não estava fazendo um alongamento, nem algum exercício de aeróbica; não era algo ditado, linear, com regras a priori. Era quase caótico, no sentido de que não havia uma ordem já dada. Mas era harmônico. Fechou-se uma roda e, ao mesmo tempo em que se movia, Michel começou a fazer caretas – algumas que eu nunca me imaginei fazendo... No entanto, para minha surpresa, em pouco tempo eu já tinha embarcado naquela onda de movimentos estranhos! Foi uma experiência espiritual em um sentido não-egóico. Eu me senti acompanhada, senti entusiasmo, me senti tocada por aquele momento. É como se você tivesse uma visão, você vê mais do que o comum, você acorda. Me lembro de uma expressão da Maria Adela que tem tudo a ver com o que senti naquele instante: foi um “momento estelar”, um momento lúcido, mais rico, mais luminoso ou “meramente” simples, mas onde nada é esforço.

EdUFF – O “corpo” abordado no livro também se refere ao conjunto da sociedade? Como este corpo está funcionando atualmente?

Laura Pozzana – A gente vê, sente, percebe pela mídia que cada pessoa está vivendo uma grande transformação em sua maneira de ser – como lidar com o lixo, com a violência, com a família, entre outras questões. Na verdade, todos e cada um de nós estamos conectados. Ninguém se move livremente, sem conexões. Mas é importante nos darmos conta daquilo que nos move. Um indivíduo pode estar conectado com o corpo do poder e, sendo assim, ele só existe se tem poder ou se é poderoso. Ele pode ainda, por exemplo, estar conectado com a ganância. Mas também pode estar em sintonia com uma política mais humanitária, de comunhão, do fazer junto, da qualidade e não da quantidade. Na verdade, acredito que o trabalho do Rio Aberto, a psicologia com a qual venho trabalhando e o meu livro podem contribuir nesse sentido: “Eu sou aquilo que experimento e aquilo que posso compartilhar”. Dia desses escutei uma frase muito linda de uma das instrutoras do Rio Aberto, Viviana Britos: “A experiência compartilhada é como a água para as plantas”. Acho que isso resume essa idéia. O corpo em conexão é este corpo, que me acompanha; é o corpo do gato da minha casa; o corpo do cachorro na rua e o do porteiro do meu prédio. É a relação desse corpo com o seu entorno e consigo mesmo. É também o corpo do bairro, de uma comunidade, de uma cidade. Acredito que tem “algo” que atravessa todo mundo, essa subjetividade globalizada de hoje. Mas já existe um movimento de valorização de pequenas comunidades que fazem trabalhos lindos.

EdUFF – Como é tratada a questão do ego em sua obra?

Laura Pozzana
– No Rio Aberto se trabalha com uma idéia que é muita linda: a de que cada um de nós é habitado por diversos “eus”. Somos seres únicos mas, ao mesmo tempo, como afirmam os budistas, somos um “eu vazio”. Ou seja, a pessoa que diz “eu” hoje não é necessariamente a mesma que dirá “eu” amanhã. Tem um “eu” que adora praia, outro que gosta de ler; um “eu” generoso e outro egoísta; tem um “eu” que sente raiva, em contraste com outro “eu” que é amoroso. Um de meus objetivos com o livro é dizer que o trabalho com o ego, com a personalidade que foi sendo fortalecida, consiste em poder dar liberdade a esses “eus”, para que a gente não se identifique apenas com um único “eu”, pois é aí que começam os conflitos e os problemas. Assim, se eu digo: “Eu sou generosa” e um belo dia alguém me chama de “pão-dura”, vou me sentir muito mal, vou brigar, vou me sentir arrasada! Os vários “eus” surgem de acordo com uma situação, segundo a vida, e o lance é o transitar. E a idéia de movimento está muito presente aí também. Há um movimento corporal, mas existe um outro movimento que acontece entre esses “eus”, esses personagens existenciais como eu coloco no livro.

EdUFF – Por que você afirma que a psicologia era muito cartesiana?

Laura Pozzana – Ela ainda é, na verdade – assim como as ciências humanas em geral. A própria metodologia da Ciência pode ganhar muito ao questionar tantas dualidades. Eu faço parte de um grupo de pesquisa e discussão metodológica inspirado no trabalho do filósofo Deleuze, do qual também participam os professores de psicologia da UFF, Eduardo Passos, Sílvia Tedesco, Regina Benevides e André Do Eirado, além da professora Virgínia Kastrup, da UFRJ. Essa metodologia está em desenvolvimento e foi nomeada “cartografia”. Ela não visa representar um objeto, mas é um método que já parte do princípio de que pesquisar e intervir caminham juntos. Além disso, investe na não-neutralidade do pesquisador e na não-separação entre sujeito, pesquisador e objeto pesquisado. Há uma humanidade e um mundo se dando e se criando. Na cartografia, para a psicologia, a gente não parte do pressuposto de que mente e corpo, sujeito e objeto, são separados. Estamos bastante animados com o estudo e com a possibilidade de publicar um livro que trate do método da cartografia.

EdUFF – É possível conciliar a visão capitalista com uma conduta mais coletivizada?

Laura Pozzana – Penso que o coletivizar a experiência e o aprendizado pode favorecer a construção de uma humanidade menos amparada apenas em alguns valores do capitalismo, como o dinheiro, o status e a boa forma. Também não adianta a gente combater o capitalismo. Existe a idéia, com a qual eu concordo, de que “quanto mais se combate algo, mais se dá força para isso” e, assim, acabamos desviando nossa atenção quando estamos combatendo. O capitalismo está aí o tempo inteiro, mas a gente pode abrir espaços para deixar fluir outras coisas, experiências, emoções... O capitalismo pode ser massacrante, mas também permite muita coisa boa, como por exemplo viajar pra lá e pra cá. O que acontece na contemporaneidade é que vivemos voltados para cumprir tarefas sem experimentar, sem sentir aquilo que estamos fazendo. Assim, a prática do Sistema Rio Aberto – a idéia do trabalho com movimento, em roda – pode ajudar uma pessoa a se situar, a se encontrar, a descobrir qual a emoção que a está movendo. E tem também a idéia da relação entre as pessoas. O Rio Aberto gera muito isso, nos sentimos acompanhados. Essa idéia da roda é também uma descentralização do ego. Uma coletivização.

EdUFF – Há algo que deseja acrescentar?

Laura Pozzana – Gostaria de dizer que este livro é fruto de muitos anos de estudo e escrita, mas ele se tornou possível com a orientação de André do Eirado, professor da UFF, durante o curso de mestrado que fiz na instituição. Gostaria de agradecer-lhe publicamente, assim como agradeço a todos os mestres e amigos que me acompanharam nesse caminho.

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